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São Tomás de Aquino, a escolástica tardia e a sua influência na tradição na Doutrina Social da Igreja

André Azevedo Alves, Hugo Chelo, Inês Gregório SOBRE OS AUTORES

Introdução

Este capítulo relaciona as contribuições do pensamento social Católico de São Tomás de Aquino e da escolástica tardia com o desenvolvimento da Doutrina Social da Igreja contemporânea. A primeira parte explica a relevância de São Tomás de Aquino para o pensamento Católico no contexto do seu próprio tempo. A segunda parte aborda os desenvolvimentos da escolástica tardia, especialmente os da Escola de Salamanca, que se baseou em São Tomás. A parte final do capítulo trata da influência de São Tomás de Aquino na Doutrina Social da Igreja contemporânea a partir da encíclica Rerum Novarum. Cada secção deste capítulo ilustra o desenvolvimento das ideias através da sua aplicação nos tópicos da propriedade privada e dos salários justos.

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São Tomás de Aquino e o pensamento social Católico: contexto e relevância

Apesar de ter vivido menos de 50 anos durante a Idade Média, o impacto e a reputação da obra de São Tomás de Aquino (1225-1274) tem tido uma influência extraordinária. Seis séculos após a sua morte, o Papa Leão XIII colocou o pensamento de São Tomás e a sua obra no centro do pensamento social Católico, declarando-o uma fonte de autoridade da doutrina Católica e dando origem a uma nova edição das suas obras[1].

Na encíclica Aeternis Patris (1878), o Papa Leão XIII apela à restauração da filosofia Cristã e ao estudo da doutrina dos Doutores Escolásticos, de entre os quais São Tomás de Aquino é considerado: “o Príncipe e o Mestre de todos… [que] reuniu e dispôs com admirável ordem e de tal modo as aumentou com novos princípios, que com razão e justiça é considerado o especial baluarte e a glória da fé Católica”. (17)

A importância de São Tomás de Aquino e da sua obra é reiterada alguns parágrafos mais tarde, quando o Papa Leão XIII reconhece que a sua obra-prima, Suma Teológica, deveria ser usada como um instrumento orientador pela Igreja Católica, juntamente com os textos Sagrados[2].

De acordo com John Finnis, aquilo que caracteriza o pensamento de São Tomás e que o torna tão distinto é o facto de ele poder beneficiar de acesso à revelação divina – aos ensinamentos que se encontram nos profetas de Israel, nos Evangelhos e noutras Escrituras sagradas – para melhor compreender as questões morais. E depois combinar isso com as melhores abordagens filosóficas existentes, presentes em Platão e Aristóteles (Finnis 2019, 12). No contexto deste enquadramento teórico, São Tomás de Aquino aborda a tensão na relação entre o todo e as partes, ou seja, entre a necessidade da comunidade política assegurar o seu sustento e providenciar, ao mesmo tempo, as condições para que todos os indivíduos guiem as suas próprias vidas de acordo com ditames morais.

Destas duas fontes que inspiraram o trabalho desenvolvido por São Tomás, vale a pena referir um elemento de cada. Em primeiro lugar, existe um entendimento específico sobre dignidade humana de acordo com o qual cada individuo é uma imagem da natureza divina e tem a capacidade de livre escolha. Para além de elevar os seres humanos a uma posição superior quando comparados com outros animais, esta capacidade para a livre escolha corresponde também a uma importante forma de igualdade segundo a qual todas as pessoas estão na mesma posição, não estando sujeitas ao controlo de ninguém[3]. No entanto, em diferentes aspetos do seu pensamento, São Tomás de Aquino segue noções que foram originalmente propostas pela grande filosofia clássica Aristotélica. Isto acontece tanto em termos de entendimento da justiça como uma virtude particular no contexto de relações entre pessoas, como também relativamente às origens legítimas da propriedade privada.

Este conceito de justiça é fundamental para a compressão de toda a teologia moral de São Tomás de Aquino e, em especial, para o tratamento das questões económicas, que são o ponto central deste capítulo. Classificada como uma virtude primária ou cardinal (I.II 61, a. 2), a justiça é definida como “um hábito pelo qual, com vontade constante e perpétua, atribuímos a cada um o que lhe pertence” (II.II 58, a. 1). Porque implica uma forma de igualdade, a justiça implica também uma forma de relação com o outro e, por isso, diz respeito a ações externas e retifica relações entre pessoas individuais:

“Como já dissemos, implicando o conceito de justiça igualdade, está na natureza da justiça ser relativa a outrem; pois nada é igual a si mesmo, mas a outrem. E como é próprio da justiça retificar os actos humanos, segundo dissemos, é necessário que essa relação com outrem, que a justiça exige, diga respeito a agentes que podem agir diversamente.” (II.II 58, a. 2)

Dentro da comunidade, para além de assegurar as devidas relações entre as pessoas, a justiça é também revestida de valor legal e exige respeito pelas leis da comunidade que têm como objetivo promover o bem comum ou a felicidade universal[4].

São Tomás de Aquino prossegue então com a discussão desta virtude e distingue entre dois tipos de justiça. A primeira forma, justiça distributiva, diz respeito à partilha de bens e “atribui a cada um o que é devido, tal como determinado por um critério de proporcionalidade entre o merecimento individual e os bens a serem distribuídos”. A segunda forma, justiça comutativa, diz respeito à troca de bens. A justiça comutativa “preserva a igualdade de acordo com uma média aritmética, ou seja, em relação à quantidade de coisas trocadas entre pessoas ou aos benefícios e encargos que advêm para cada um” (Porter 2002, 278). Quando estas condições não são respeitadas, são cometidas injustiças. Essas injustiças assumem a forma de falta de respeito pelas pessoas, no caso da justiça distributiva, ou furto e roubo, no caso da justiça comutativa. A injustiça pode ter um caráter geral quando se refere aos vícios que se opõem ao bem comum, ou um caráter particular quando afeta uma relação particular com outro indivíduo. No caso da justiça particular, uma injustiça constitui sempre um desequilíbrio em relação aos outros (II.II 59, a. 1), implicando também uma perspetiva de intencionalidade. Mais, São Tomás considera que a injustiça revela uma violação da igualdade, porque falha em reconhecer o ditame fundamental da dignidade humana, segundo o qual todas as pessoas são iguais e uma imagem da natureza divina (II.II 59 a. 1).

Tal como mencionado previamente, o tratamento dado por São Tomás à virtude da justiça é fundamental para compreender o enquadramento teórico no qual as questões económicas são examinadas. É importante ter presente que, na Idade Média, estas questões não estavam sujeitas a uma reflexão particular, mas estavam a tornar-se importantes. As sociedades estavam a urbanizar-se mais rapidamente e a proximidade entre o produtor e o consumidor que existia anteriormente estava a tornar-se menor. A aplicação prática dos princípios-chave do que ficou conhecido como a forma Tomista de pensar nas questões económicas tornou-se de grande importância.

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São Tomás de Aquino e a Doutrina Social da Igreja: aplicações

Propriedade Privada

De acordo com São Tomás, o surgimento da propriedade privada não pode ser dissociado do episódio divino da expulsão do paraíso, “onde a natureza providenciava tudo o que era necessário para a sobrevivência” (Koehler 2016, 59). A partir desse momento, a sobrevivência da espécie humana passou a depender do uso de recursos naturais e materiais para produzir bens que satisfizessem as necessidades do corpo. Por forma a garantir a eficiência deste arranjo, era necessário encontrar um mecanismo que pudesse tornar cada indivíduo responsável pela sua própria tarefa: esse mecanismo era a posse de coisas externas, ou a propriedade privada[5]. E São Tomás avança três razões para justificar isto:

“é lícito ao homem possuir propriedade. Mais, é necessário à vida humana por três razões. Primeiro, porque cada homem é mais solícito em administrar o que a si só lhe pertence, do que é comum a todos ou a muitos: porque, neste caso, cada qual, fugindo do trabalho, abandona a outrem o pertencente ao bem comum, como se dá quando há muitos criados. Segundo, porque as coisas humanas são mais bem tratadas se cada um emprega os seus cuidados em administrar uma coisa determinada, enquanto haveria confusão se todos tivessem que administrar indeterminadamente qualquer coisa. Terceiro, porque um estado mais pacífico será assegurado ao homem se cada um estiver contente com o seu. Por isso, observamos que as disputas surgem com mais frequência onde não existe divisão das coisas possuídas.” (II.II 66, a. 2)

Ainda assim, o carácter privado da propriedade não é entendido por São Tomás em termos absolutos, nem sustentado por “qualquer conexão metafísica entre o detentor e a propriedade” (Walsh 2018, 200). Pelo contrário, encontra-se baseado na premissa de que a instituição da propriedade privada assegura que a propriedade é usada para a promoção do bem comum. Por esta razão, depois de referir as três justificações, São Tomás afirma: “o homem deve possuir coisas externas, não como suas, mas como comuns, de modo que, se for necessário, esteja pronto a comunicá-las aos outros quando eles delas tiverem necessidade”. (II.II 66, a. 2).

São dois os pontos importantes que resultam desta clarificação. Por um lado, a vontade de possuir coisas externas deve ser moderada e não deve degenerar em ganância ou avareza. Deve ter como medida aquilo que é necessário para providenciar o sustento do próprio e da sua família, de acordo com a sua condição de vida[6]. Por outro lado, a condição daqueles que mais necessitam constitui outra limitação no uso da propriedade privada, pelo que as pessoas só podem possuir coisas externas se estiverem dispostas a partilhar essas coisas com os que precisam[7]. São Tomás afirma:

“Um homem não agiria ilicitamente se, chegando primeiro ao espetáculo, preparasse a entrada para os outros: mas age ilicitamente se, ao fazê-lo, os impedir de entrar. De forma semelhante, um homem rico não age ilicitamente se se antecipar a alguém, apropriando-se de algo que a princípio era comum, contanto que dá aos outros uma parte: mas peca se excluir os outros de forma indiscriminada de a usarem.” (II.II 66, a. 2)

Esta limitação resulta também de um dos mais importantes princípios da Doutrina Social da Igreja que se discutiu no início deste capítulo: que todos os homens são iguais e criados à imagem de Deus. Por este motivo, cada vida tem o mesmo valor aos olhos de Deus e a sua sustentabilidade material deve ser assegurada e apoiada.

Dado que é lícito para um indivíduo possuir propriedade, desde que a situação dos mais necessitados seja respeitada, São Tomás de Aquino considerou que seria um pecado violar ou agir contra esta possibilidade de possuir bens materiais. O pecado do furto tem assim três características principais: implica apoderar-se de algo que pertence a outrem; envolve levar uma coisa material; e também requer que o item tenha sido levado em segredo (II.II 66, a. 3). Uma segunda forma de violação do direito à propriedade privada é o pecado do roubo. Este difere do furto porque não é praticado em segredo, mas sim feito de forma violenta. Independentemente desta diferença, tanto o furto como o roubo constituem vícios contra a virtude da justiça, uma vez que “envolvem de forma evidente uma falha em entregar ao outro aquilo que lhe pertence” (Porter 2002, 280). No entanto, e apesar de ser um pecado mortal[8], existe uma circunstância na qual se permite que alguém se apodere dos bens de outrem, quer seja em segredo ou pela força. Isto está novamente relacionado com o caso dos mais necessitados. Se a razão pela qual alguém se apodera da propriedade de outra pessoa é para garantir a sua sobrevivência ou a da sua família, então essa pessoa não deve ser considerada culpada de furto ou roubo (II.II 66, a. 7). John Finnis (2019, 24) resume as condições impostas por São Tomás de Aquino à propriedade privada da seguinte forma:

  1. “Para qualquer pessoa em extrema necessidade, nada pertence a ninguém em particular; “para alguém nessa situação, todos os recursos se tornam recursos comuns”. E isto significa que as pessoas que se virem, ou que virem os seus dependentes, numa tal necessidade que ameaça a sua vida têm o direito moral de se apropriarem de qualquer coisa que alivie a sua necessidade e este direito sobrepõe-se ao título ou direito de propriedade legítimo de qualquer outra pessoa.
  2. Em situações onde ninguém enfrenta uma necessidade extrema, o direito dos proprietários e de outros detentores de propriedade a manterem os seus bens prolonga-se apenas até ao ponto que necessitam para se manterem a si próprios (e aos seus dependentes) de acordo com a forma de vida que razoavelmente adoptaram. Todos os recursos excedentes [residuum; superfllua] são “mantidos em comum”: todos estes recursos devem ser disponibilizados àqueles (“os pobres”) que, embora não em necessidade extrema, carecem dos recursos necessários para satisfazer as suas necessidades… Os pobres têm o direito natural de ter o total deste residuum a ser distribuído em seu favor.”

Em suma, a propriedade privada é definida no pensamento de São Tomás de Aquino como pertencendo ao ius gentium: como uma consequência da lei natural (Deus concede aos homens o direito a usar bens materiais para a sobrevivência), que foi acrescentada pela razão humana (porque o bem comum é mais bem servido quando a propriedade é mantida em privado do que em comum) e, por isso, restringida pela própria lei natural (devido ao igual valor de todos os indivíduos aos olhos de Deus)[9]. A propriedade privada não tem carácter absoluto e está sempre associada à melhoria do bem comum. No entanto, a distribuição da propriedade pelos pobres é uma obrigação da caridade e justiça que não tem de ser necessariamente imposta pelo estado.

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Salários Justos

São Tomás de Aquino considera que os salários estão estritamente associados com o mérito. São uma recompensa pelo serviço aplicado de uma faculdade humana e, por esta razão, é um ato de justiça pagar a alguém em troca do esforço colocado num trabalho específico. Tal como afirma:

“o mérito e a recompensa referem-se ao mesmo, porque a recompensa diz respeito a algo que é dado a alguém em troca pelo seu trabalho ou pela sua obra, como um preço por isso. Assim, tal como é um ato de justiça dar um preço justo por qualquer coisa recebida de outro, também é um ato de justiça recompensar o trabalho ou a obra.” (I.II 114, a. 1)

Um aspeto importante da discussão sobre salários em São Tomás é o conceito de preço justo, justum pretium. O salário é o preço pago em troca pelo trabalho do trabalhador. O preço justo ou o salário justo não segue simplesmente uma fórmula matemática. Tem em consideração o valor económico daquilo que está a ser transacionado e as circunstâncias de um tempo e de um local específicos[10]. Quando esta definição é aplicada ao salário, encontramos os critérios para determinar se é justo. O salário tem de assegurar o sustento do trabalhador e da sua família: por outras palavras, o salário é justo quando é proporcional às necessidades de vida do trabalhador, que incluem não só tudo aquilo sem o qual não é possível existir, como também aquelas coisas necessárias para viver uma vida com dignidade de acordo com o seu estatuto de vida. Tal como São Tomás argumenta:

“uma coisa é dita necessária, se um homem não pode viver sem ela e manter o seu estatuto de vida, no que lhe diz respeito a ele próprio ou àqueles por quem se encarga. Aquilo que é considerado “necessário” não é assim uma quantidade invariável, porque se pode acrescentar muito mais à propriedade de um homem e, mesmo assim, não ir além daquilo que ele precisa no seu estatuto de vida, ou pode-se tirar muito mais de uma pessoa e essa pessoa ainda ter o suficiente para as decências da vida de acordo com a sua própria posição… pois nenhum homem deve viver sem dignidade.” (II-II 32, a. 6)

Por outro lado, a definição de um salário justo tem de ter também em conta a quantidade e a complexidade do trabalho que foi contratado pelo trabalhador. São Tomás de Aquino não nega que existem diferenças entre profissões e as faculdades exigidas para cada uma, reconhecendo por isso que nem todo o trabalho tem o mesmo valor[11]. Por este motivo, alguém que trabalha mais ou que desempenha uma tarefa mais complexa merece um salário maior: “trabalho mais laborioso, mais difícil, mais produtivo, exige remuneração mais elevada” (Rocha 1992, 36).

Neste contexto, o salário pago pode ser injusto quer por defeito quer por excesso. No primeiro caso, é injusto quando o mestre ou o comprador se recusam a pagar ao trabalhador o que deve ser pago pelo seu trabalho. No segundo caso, é injusto quando o trabalhador recebe mais do que precisa dadas as suas condições de vida, especialmente se isto deixa aquele que pagou numa condição que não é decente. Esta injustiça por excesso não é muito comum no caso do trabalho manual. No entanto, São Tomás chama a atenção para o caso de profissões como advogados ou médicos, onde os profissionais estão autorizados a vender os seus serviços, mas devem estabelecer um preço considerando as circunstâncias daqueles que a eles recorrem e as práticas comuns. Quando tal não acontece, podem ser cometidas injustiças:

“Ora, é evidente que um advogado nem sempre é obrigado a consentir em defender, ou a dar conselhos sobre as causas de outras pessoas. Portanto, se vende a sua defesa ou conselhos, não age contra a justiça. O mesmo se aplica ao médico que atende uma pessoa doente para a curar, e a todas as outras pessoas; desde que, no entanto, aceitem uma taxa moderada, com a devida consideração pelas pessoas, pelo assunto em questão, pelo trabalho que implica e pelo costume do país. Se, no entanto, extorquem maliciosamente uma taxa excessiva, pecam contra a justiça.” (II-II 71, a. 3)

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A escolástica tardia e a Doutrina Social da Igreja: contexto e relevância

As contribuições da escolástica tardia assinalam um marco significativo no desenvolvimento do pensamento social Católico. Apesar de a Doutrina Social da Igreja como um corpo de pensamento estruturado e articulado ser relativamente recente, as suas origens são muito mais antigas. Tal como evidenciado anteriormente, a obra de São Tomás de Aquino é seguramente fundamental a este respeito. Mas, em relação aos diversos assuntos económicos ou sociais aplicados, a primeira reflexão consistente de uma perspetiva Católica tem de ser reconhecida à escolástica tardia e particularmente à chamada Escola de Salamanca (Alves and Moreira 2013a)[12].

O fundador da Escola de Salamanca, um Dominicano chamado Francisco de Vitoria, estudou em Paris onde desenvolveu uma linha de raciocínio Tomista, combinando fundamentos Aristotélicas com uma forte ênfase no conceito de lei natural e na exploração das suas implicações. Em 1526, Vitoria regressou a Espanha para assumir a cátedra principal de teologia da Universidade de Salamanca.

A Escola incluía um distinto grupo de escolásticos tardios Ibéricos dos séculos XVI e XVII que, na maior parte dos casos, aplicavam o raciocínio Tomista para lidar com os novos problemas que surgiam com a expansão Europeia para o Novo Mundo. Ao fazê-lo, eles expandiram de forma significativa o entendimento pré-existente sobre vários assuntos importantes, desde a ética empresarial e teoria económica à política e ao direito internacional. O rápido crescimento da atividade comercial e financeira neste período, combinada com os novos problemas relativos às relações internacionais e aos direitos das populações indígenas, conduziram à necessidade de abordar novos problemas a partir de uma perspetiva Católica. Os sérios desafios teológicos, políticos e culturais impostos pelo Protestantismo reforçaram ainda mais esta necessidade, pelo que a reflexão ética e o discurso sobre um amplo conjunto de temas aplicados era uma preocupação central para os escolásticos tardios Ibéricos.

A importância intelectual da Escola de Salamanca também correspondeu historicamente ao período no qual diversas circunstâncias favoráveis do ponto de vista demográfico, económico, cultural e político fizeram da Península Ibérica um ponto central para o comércio e para a diplomacia, bem como para o intercâmbio intelectual. A interação entre elementos Cristãos, Judeus e Muçulmanos na Península Ibérica era um fator importante, tal como era o desenvolvimento da imprensa gráfica que permitiu a produção em massa de material literário.

A conjunção de todas estas circunstâncias conduziu os escolásticos tardios a uma posição na qual podiam aplicar os mais antigos pilares do pensamento Católico aos novos desafios que decorriam do processo de globalização.

Isto foi feito principalmente por uma revisitação a São Tomás e pelo desenvolvimento de uma ferramenta analítica que pudesse ser aplicada a estes novos desafios de forma adequada. Embora o pensamento inicial de São Tomás de Aquino estivesse firmemente enraizado numa associação entre o bem comum e o direito objetivo (em vez de direitos individuais), a ênfase na prevalência da lei natural universal sobre uma lei positiva que dependia do tempo, do espaço e da disposição do governante, providenciou um ambiente favorável para a criação de uma base de afirmação e defesa dos direitos individuais. A ênfase na importância da lei natural abriu o caminho para a crescente proteção dos indivíduos na sua relação com as autoridades civis e de potenciais abusos no direito positivo decretado pelo estado.

Adicionalmente, a adaptação e a expansão do conceito de direito tradicional romano de ius gentium pelos escolásticos tardios, que conduziu ao desenvolvimento de uma noção de direito internacional, significou que as suas contribuições eram universais, ou seja, comuns a toda a humanidade e aplicáveis a todas as nações e povos. Autores como Vitoria, Soto e Suárez concordaram todos que o ius gentium era universal e poderia ser reconhecido pela razão, ainda que não fosse produto da vontade de nenhuma assembleia humana ou legislador.

Os escolásticos tardios acrescentaram progressivamente um maior entendimento da autonomia da pessoa à conceção tradicional Tomista de direito objetivo relacionado com uma esfera distinta de liberdade individual. Baseando-se no caráter universal da lei natural, estas noções foram então gradualmente – mas não linearmente – entendidas como extensíveis a toda a humanidade, o que acabou por levar a maioria dos escolásticos tardios a, por exemplo, se oporem às conversões forçadas dos povos do Novo Mundo, salientando a necessidade de empregar meios pacíficos de conversão.

Na seção que se segue, esta abordagem é ilustrada pela síntese de aspetos centrais na análise da escolástica tardia à propriedade e aos salários.

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A escolástica tardia e o pensamento social Católico: aplicações

Propriedade Privada

A abordagem dos escolásticos tardios ao direito de propriedade baseia-se diretamente nas fundações lançadas por São Tomás. Os argumentos para a legitimidade e desejabilidade da existência de direitos de propriedade estão associados ao entendimento que têm sobre como melhor promover o bem comum num enquadramento antropológico realista sobre a sociedade humana e nas reações individuais aos incentivos que enfrentam.

Neste contexto, a justificação para a propriedade privada encontra-se nos incentivos que oferece para promover uma melhor utilização dos bens materiais, ao mesmo tempo que contribui para uma comunidade pacifica e bem ordenada (Alves e Moreira 2013b). Os escolásticos tardios, na sua maioria, criaram uma defesa robusta da propriedade privada que sempre teve como pano de fundo um entendimento articulado dos terríveis efeitos negativos que se poderiam esperar da posse comum de bens materiais, dadas as condições da natureza humana e existência humana terrena. Tal como expresso por Domingo de Soto:

“Aquilo que o poeta disse, que estas três palavras, meu e teu, conduzem a muitas disputas e lutas, nós reconhecemo-lo sinceramente; mas muitas mais haveria [disputas e lutas] se as coisas fossem possuídas em comum.” (De Soto,1968, livro iv, q. iii, a. i.)

Este reconhecimento da importância da propriedade privada estava intimamente relacionado com os pressupostos subjacentes sobre a natureza humana:

“Considerando também as premissas de que num estado de natureza corrupto [ou seja, falido], se os homens vivessem em comum não viveriam em paz, nem os campos seriam proveitosamente cultivados, os homens deduziram que é mais conveniente dividir a propriedade.” (De Soto 1968, livro i, q. v, a. iv.)

Tal como São Tomás, os escolásticos tardios não consideravam a propriedade privada como um direito absoluto. No entanto, defendiam-na de forma vigorosa e argumentavam que era totalmente compatível e que estava em harmonia com os princípios da lei natural. A propriedade privada era primariamente justificada através da sua função social e da sua importância que, por sua vez, ganharam mais destaque devido a um melhor entendimento da teoria económica pelos escolásticos tardios.

Uma defesa da propriedade privada baseada na sua função social significava que era, em última instância, subordinada ao bem comum que, por sua vez, implicava que em condições críticas, tal como a extrema necessidade ou o perigo iminente à vida humana, poderia ser considerado legítimo fazer uso de bens que não se possuía (ainda que os escolásticos tardios tivessem também o cuidado de sublinhar que a obrigação de compensar o proprietário original deveria ser aplicada sempre que possível)[13].

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Salários Justos

O tratamento dos salários pelos escolásticos tardios também tende a ser baseado num enquadramento Tomista pré-existente, que foi refinado tendo em consideração a interpretação que faziam das circunstâncias económicas e sociais do seu tempo.

Uma vez que o salário é o preço pago pelo trabalho e que, em muitos casos, o preço pago por um produto é diretamente o salário do vendedor, o entendimento da ideia de um salário justo pela escolástica tardia é necessariamente muito influenciado pela sua teoria do preço justo. Os autores da Escola de Salamanca deram importantes contributos para a teoria do preço justo (Elegido, 2009). E particularmente importante para o tratamento dos salários são as noções de que a equivalência no valor é o padrão fundamental de justiça comutativa e que o preço de um bem num mercado aberto é geralmente o melhor indicador do seu valor.

Para os escolásticos tardios, o valor deveria estar associado à “estimativa comum” num contexto regular de mercado, um entendimento que estava próximo daquilo a que a teoria económica contemporânea se refere como a teoria subjetiva do valor. Um bom exemplo deste entendimento pode ser encontrado na definição proposta por Molina para o conceito de “preço natural”:

“Chamam-lhe assim não porque não depende em grande medida da estima com que os homens apreciam algumas coisas mais que outras, como acontece com certos objetos preciosos, que muitas vezes são valorizados em mais de vinte mil moedas de ouro e mais do que muitas outras coisas que, pela sua natureza são muito melhores e mais úteis; nem lhe chamam assim porque o preço não flutua e muda, porque é evidente que muda; mas chamam-lhe natural porque nasce dessas mesmas coisas, independentemente de qualquer lei humana ou decreto público, mas dependente de muitas circunstâncias que o fazem variar e do afeto e da estima que os homens têm pelas coisas de acordo com os diversos usos em que podem ser empregues.” (Molina 1981, 168)

Seguindo este mesmo raciocínio, Molina argumenta que a justiça de um salário deve ser avaliada de acordo com os salários pagos por funções similares em circunstâncias similares:

“Depois de considerar o serviço que um indivíduo executa e o grande ou pequeno número de pessoas que, ao mesmo tempo, se encontra a executar semelhante serviço, se o salário que é definido para ele for pelo menos o salário mais baixo que é normalmente estabelecido nessa região, nesse momento, para as pessoas que executam tais serviços, então o salário deve ser considerado justo.” (citado em Chafuen, 2003, 106)

Tal como com outros preços, a “estimativa comum” desempenhou um papel fundamental em determinar se um dado salário deve ser considerado justo ou não.

Os escolásticos tardios também atribuíram grande importância à necessidade de assegurar que não houvesse coerção. O consentimento e os contratos voluntários eram pré-condições importantes que tinham que estar asseguradas para que um salário fosse considerado justo[14].

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São Tomás, a escolástica tardia e as encíclicas modernas

A influência de São Tomás de Aquino no corpo doutrinal através do qual a dimensão social do Magistério Pontifício foi desenvolvida é inegável. A elaboração da Rerum Novarum baseia-se fortemente neste corpo do pensamento Tomista, constituindo, por sua vez, um “paradigma permanente para a Igreja” (Centesimus Annus, 5).

A prevalência do pensamento de São Tomás não foi constante nem uniforme. No entanto, desde Leão XIII até às primeiras etapas do Concílio Vaticano II, o impacto da doutrina Tomista foi evidente e abundante. Isto é verdade tanto nas contribuições filosóficas das obras de Mercier, Maritain ou Gilson, como nos desenvolvimentos teológicos liderados por padres como Congar, Chenu, Lubac ou Daniélou. O pensamento de São Tomás exerceu a sua influência dentro da Igreja (Souto Coelho, 2002, 28), mas também no mundo secular: por exemplo, na obra de Yves Simon, Heinrich Rommen, Josef Fuchs, Mortimer Adler or Robert Hutchins (Sigmund 1988, page xxiv).

O pensamento Tomista foi destacado e elogiado por João Paulo II (ver, por exemplo, Fides et Ratio, 58). Contudo, poder-se-ia argumentar que a sua influência decresceu durante e após o Concílio Vaticano II, quando se deu uma orientação no sentido da incorporação de conhecimento técnico-científico e socio-científico no desenvolvimento da Doutrina Social da Igreja, bem como a incorporação de mais fontes com origem nas Escrituras e nos primeiros Padres da Igreja. No entanto, no Compêndio da Doutrina Social da Igreja (Pontifício Conselho para a Justiça e Paz 2004), que Bento XVI consagrou como como a apresentação orgânica da Doutrina Social da Igreja (Deus Caritas est, 27), São Tomás de Aquino continua a ser o escritor eclesiástico mais referenciado, embora conte apenas com 26 referências (nem todas diretas) entre mais de um milhar de referências a textos bíblicos, concílios ecuménicos, documentos pontifícios, documentos eclesiais, das congregações, conselhos pontifícios, e documentos de direito internacional.

Ainda assim, os contributos do pensamento Tomista incorporados na Rerum Novarum infundiram a tradição da Doutrina Social da Igreja. Examinaremos esta influência tendo em conta os tópicos discutidos acima – propriedade privada e salários justos.

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Propriedade Privada

A Rerum Novarum é especialmente notável pelo seu apoio à propriedade privada e inclui uma referência explícita a São Tomás:

“A propriedade particular, já o dissemos mais acima, é de direito natural para o homem: o exercício deste direito é coisa não só permitida, sobretudo a quem vive em sociedade, mas ainda absolutamente necessária. ‘É lícito”, diz São Tomás de Aquino, “que um homem detenha propriedade privada; e também é necessário para a continuação da existência humana.’” (Rerum Novarum 22)

Além do mais, as próprias razões que configuram e legitimam o exercício deste direito continuam explicitamente a recuperar a síntese Tomista em que, a partir da distinção entre posse e uso, se afirma que o título de domínio sobre as coisas deriva originalmente de Deus e que existe um direito primário ao uso comum dos bens. Este sentido ético conferido pelo destino e finalidade de um uso comum, que subordina e condiciona o direito à posse, manter-se-á inalterável no magistério posterior. Mas isto não significa que o direito à propriedade privada não é da máxima importância. Pode dar-se o caso de os direitos secundários serem indispensáveis para assegurar que os direitos primários se realizam. Se a propriedade não fosse dividida nem detida de acordo com títulos legalmente vinculativos, a experiência sugere um de dois resultados: ou seria explorada pelo mais fortes e mais astutos, ou ninguém quereria saber dela.

Tal como a Igreja deixa bem claro nas suas encíclicas, o princípio da propriedade privada exige sérias obrigações aos seus detentores em agirem de forma justa e caridosa. Pio XI realça o princípio de justa distribuição (Quadragesimo Anno, 56-58). João XXIII sublinha a função social de toda a propriedade, incluindo os bens produtivos (Mater et Magistra, 19) fundada na ordem natural que, por sua vez, estabelece a prioridade do indivíduo em relação à sociedade (Mater et Magistra, 109).

O Concílio Vaticano II sintetizará estas aquisições, declarando:

“Deus destinou a terra com tudo o que ela contém para uso de todos os homens e povos; de modo que os bens criados devem chegar equitativamente às mãos de todos, segundo a justiça, secundada pela caridade (8). Sejam quais forem as formas de propriedade, conforme as legítimas instituições dos povos e segundo as diferentes e mutáveis circunstâncias, deve-se sempre atender a este destino universal dos bens. Por esta razão, quem usa desses bens, não deve considerar as coisas exteriores que legitimamente possui só como próprias, mas também como comuns, no sentido de que possam beneficiar não só a si, mas também aos outros.” (Gaudium et Spes, 69)

Esta subordinação do direito à propriedade privada ao uso comum dos bens segue a formulação de São Tomás e dos escolásticos tardios. Por outras palavras,

“A tradição cristã nunca defendeu tal direito como algo absoluto e intocável; pelo contrário, sempre o entendeu no contexto mais vasto do direito comum de todos a utilizarem os bens da criação inteira: o direito à propriedade privada está subordinado ao direito ao uso comum, subordinado à destinação universal dos bens.” (Laborem Exercens, 14)

É também importante notar que na Doutrina Social da Igreja, a questão da propriedade encontra-se indissoluvelmente ligada ao tema do trabalho. A propriedade, tal como posta pela Rerum Novarum (5), é o salário de um trabalhador noutra forma, o que salienta a importância do ensinamento da propriedade privada. E isto relaciona-se, naturalmente, com a questão da justiça dos salários.

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Salários Justos

As encíclicas sociais também desenvolveram o ensinamento sobre salários justos. Os pontos 45 e 46 da Rerum Novarum declaram que subjacente a qualquer acordo de salário deveria estar a condição de que o salário fosse suficiente para “sustentar um assalariado frugal e bem-comportado”. Desta forma, o livre acordo não é suficiente para garantir que um salário cumpra o critério da justiça distributiva. Deve haver uma condição adicional de acordo com a qual, se for possível, a empresa deva pagar o suficiente para que o trabalhador se possa sustentar a si, à sua família e ter algumas poupanças. Este ensinamento foi elaborado pelos Papas Pio XI, João XXIII e João Paulo II.

Grande parte da Doutrina Social da Igreja tem sublinhado que o pagamento de salários justos é uma parte essencial de todo o sistema socioeconómico. Tal como referido acima, os salários podem ser associados ao direito à propriedade privada – o trabalhador deve ser capaz de manter aquilo que lhe é pago. Ao mesmo tempo, o pagamento de salários justos é um importante uso social da propriedade que é detida pelo proprietário de uma empresa. E argumenta-se também que, se as empresas pagarem salários justos, o estado terá de intervir menos e os movimentos sociais que exigem a redistribuição da propriedade serão menos atrativos. Mais, os diferentes grupos de pessoas poderão viver em harmonia em vez de estarem em conflito. Por isso, o sistema de salários justos acarreta muito mais, especialmente no que diz respeito à posição dos pobres:

“Em todo e qualquer sistema, independentemente das relações fundamentais existentes entre o capital e o trabalho, o salário, isto é, a remuneração do trabalho, permanece um meio concreto pelo qual a grande maioria dos homens pode ter acesso àqueles bens que estão destinados ao uso comum, quer se trate dos bens da natureza, quer dos bens que são fruto da produção.” (Laborem Exercens, 19)

Ao determinar a justiça dos salários, é dada precedência às exigências objetivas da justiça distributiva e de dar a cada um o que é devido. E acordos contratuais simples e livre de acordo com os princípios da justiça comutativa não são suficientes para garantir que um salário é justo. Ao mesmo tempo, não se deve assumir que o livre acordo dos contratos salariais não conduz, regra geral, a salários justos: em mercados de trabalho que funcionem bem, pode bem ser possível. Existe, de certa forma, uma combinação entre o pensamento de São Tomás de Aquino, que concluiu que os salários devem ser suficientes para sustentar o trabalhador e ao mesmo tempo estar relacionados com o valor do que é produzido, e o pensamento dos escolásticos tardios, que concluíram que os salários devem ser determinados pela estimativa comum do valor de um tipo particular de trabalho, na declaração do Compêndio da Doutrina Social da Igreja (Pontifício Conselho para a Justiça e Paz, 2004):

“O simples acordo entre empregado e empregador acerca do montante da remuneração não basta para qualificar como «justa» a remuneração concordada, porque ela «não deve ser inferior ao sustento» do trabalhador: a justiça natural é anterior e superior à liberdade do contrato.” (Compêndio da Doutirna Social da Igreja, 302)

Poderia argumentar-se que estas questões são mais difíceis em economias modernas e desenvolvidas. Um sem-número de condições mudaram desde 1931, quando os princípios dos salários justos foram extensamente discutidos na Quadragesimo Anno. Em particular, as “necessidades” tornaram-se mais complexas e difíceis de definir objetivamente na sociedade moderna. Além disso, as mulheres no seio de uma família podem também trabalhar como o pai. Os governos, claro, providenciam pagamentos sociais, mas também taxam trabalhadores com salários baixos, diminuindo o seu rendimento disponível. E outras políticas governamentais, especialmente relacionadas com habitação, aumentam ainda mais os custos de vida. Este tipo de coisas foge ao controlo de uma empresa e complica o conceito de salário justo. Por exemplo, deve uma empresa pagar um salário diferente a um trabalhador que é parte de uma família de dois assalariados do que aquele que paga a um trabalhador que é o único membro assalariado da família? Poderia argumentar-se que, dados estes desenvolvimentos, a ideia de salários justo precisa de uma reflexão mais profunda. Há também questões, por exemplo, sobre o papel dos pagamentos sociais no aumento real dos salários e sobre se os salários mínimos devem ser legislados ou negociados. Ainda assim, os preceitos originais continuam a ser verdadeiros. Os livres acordos contratuais não são suficientes para garantir que um salário é justo; se uma empresa explora as fraquezas dos trabalhadores em determinar os seus salários, isto ofende a justiça; e os empregadores devem pagar um salário mínimo, tomando tudo em consideração, se o puderem suportar.

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Referências

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Alves, A. A. and Gregório I. (2021), “Price Controls and Market Economies”, em Christianity and Market Regulation: An Introduction, editado por Daniel A. Crane e Samuel J. Gregg, 213-232, Cambridge: Cambridge University Press.

Aquinas, T. (2017), The Summa Theologiæ. Traduzido por Fathers of the English Dominican Province. https://www.newadvent.org/summa/

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De Soto, D. (1968), De Iustitia et Iure (facsimile da edição de 1556 em Latim acompanhada por uma tradução espanhola), Madrid: Instituto de Estudios Politicos.

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Grice-Hutchinson, Marjorie. 1978. Early Economic Thought in Spain 1177-1740. London: George Allen & Unwin.

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Rocha, M. (1992), Trabalho e Salário na Escolástica, Lisboa: Editora Rei dos Livros.

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Souto Coelho, J. (coord.) (2002), Doctrina Social de la Iglesia: manual abreviado, Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos/Fundación Pablo VI.

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Encíclicas papais e outros documentos da Igreja

Bento XVI, 2005, Deus Caritas est, carta encíclica: https://www.vatican.va/content/benedict-xvi/pt/encyclicals/documents/hf_ben-xvi_enc_20051225_deus-caritas-est.html

João Paulo II, 1981, Laborem exercens, carta encíclica: https://www.vatican.va/content/john-paul-ii/pt/encyclicals/documents/hf_jp-ii_enc_14091981_laborem-exercens.html

João Paulo II, 1991, Centesimus annus, carta encíclica: https://www.vatican.va/content/john-paul-ii/pt/encyclicals/documents/hf_jp-ii_enc_01051991_centesimus-annus.html

João Paulo II, 1998, Fides et racio, carta encíclica: https://www.vatican.va/content/john-paul-ii/pt/encyclicals/documents/hf_jp-ii_enc_14091998_fides-et-ratio.html

João XXIII, 1961, Mater et magistra, carta encíclica: https://www.vatican.va/content/john-xxiii/pt/encyclicals/documents/hf_j-xxiii_enc_15051961_mater.html

Leão XIII, 1878, Aeterni Patris, carta encíclica: https://www.vatican.va/content/leo-xiii/en/encyclicals/documents/hf_l-xiii_enc_04081879_aeterni-patris.html

Leão XIII, 1891, Rerum novarum, carta encíclica: https://www.vatican.va/content/leo-xiii/pt/encyclicals/documents/hf_l-xiii_enc_15051891_rerum-novarum.html

Pio XI, 1931, Quadragesimo anno, carta encíclica: https://www.vatican.va/content/pius-xi/pt/encyclicals/documents/hf_p-xi_enc_19310515_quadragesimo-anno.html

Pio XII, 1942, Con Sempre Nuova Freschezza, radiomensagem: https://www.vatican.va/content/pius-xii/pt/speeches/1942/documents/hf_p-xii_spe_19421224_radiomessage-christmas.html

Vaticano II, Gaudium et spes, 1965, Constituição Pastoral Sobre A Igreja No Mundo Actual, https://www.vatican.va/archive/hist_councils/ii_vatican_council/documents/vat-ii_const_19651207_gaudium-et-spes_po.html

Pontifício Conselho para a Justiça e Paz (2004), Compêndio da Doutrina Social da Igreja, https://www.vatican.va/roman_curia/pontifical_councils/justpeace/documents/rc_pc_justpeace_doc_20060526_compendio-dott-soc_po.html

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Questões para discussão:

Em que base é a propriedade privada considerada desejada dada a natureza corrompida da pessoa humana?

O pensamento social Católico começou em 1819 com a Rerum novarum?

Qual a posição de São Tomás de Aquino e da escolástica tardia sobre se um salário era justo?

Como é que os ensinamentos sobre o salário justo foram desenvolvidos na Rerum novarum?

O que é que a Rerum novarum tinha a dizer sobre os seguintes tópicos:

  • O papel e os limites do estado
  • As responsabilidades morais das empresas para com os trabalhadores
  • A importância da propriedade privada
  • A importância da família
  • Instituições concebidas para prestar assistência social aos trabalhadores e famílias que enfrentem tempos difíceis

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Notas de rodapé

[1] A chamada edição Leonina teve início em 1882 e está ainda incompleta (Koehler 2016, 56).

[2] “Mas a maior glória própria de São Tomás, um louvor nunca partilhado por nenhum dos Doutores Católicos, consiste no facto de os Padres Tridentinos terem feito parte da ordem do conclave colocar no alter, juntamente com a sagrada Escritura e os decretos dos Sumo Pontífices, a Suma de São Tomás de Aquino, à qual pediam conselhos, razão e inspiração.” (AP 22)

[3] “Esta realidade e responsabilidade da liberdade de escolha proporciona saliência e solidez ao indivíduo enquanto pessoa, que pela sua natuereza não é um escravo de instintos sub-racionais nem dos comandos instrumentalizadores de outra pessoa.” (Finnis 2019, 13).

[4] Nesta observação, a inspiração retirada da filosofia clássica é evidente: “Consequentemente, a lei deve dizer respeito principalmente à relação com a felicidade. Mais, sendo que cada parte está ordenada para o todo, tal como o imperfeito ao perfeito; e sendo que um homem uma parte da comunidade perfeita, a lei tem de ter devidamente em conta a relação com a felicidade universal. E, por isso, o Filósofo, na já referida definição de assuntos legais, faz menção tanto à felicidade como ao corpo político: assim, diz que chamamos aos assuntos legais “justos, quando são adaptados e produzidos para preservar a felicidade e as suas partes pelo corpo político”: uma vez que o estado é a comunidade perfeita, como diz Aristóteles.” (I.II 90, a. 2).

[5] Também neste ponto, São Tomás segue o caminho de Aristóteles ao argumentar que “(…) o homem tem um domínio natural sobre as coisas externas, porque, pela sua razão e vontade, é capaz de as usar para seu próprio proveito, como se fossem feitas para si: pois sempre o mais imperfeito é para o mais perfeito, como já estabelecemos. É por este argumento que o Filósofo prova que a posse de coisas externas é natural ao homem.” (II.II 66, a. 1).

[6] “Por onde e necessariamente, o bem do homem, em relação a eles, há-de consistir numa certa medida; isto é, enquanto, por uma medida determinada, o homem procura riquezas externas, desde que lhe sejam necessárias para viver mantendo a sua condição de vida. Portanto, seria pecado exceder esta medida, desejando adquiri–las ou conservá–las de forma imoderada. Ora, proceder desse modo constitui a avareza, que é definida como “o amor imoderado de possuir”. Por onde é claro que a avareza é pecado.” (II.II 118, a. 1).

[7] Esta limitação é frequentemente referida como superflua: “Para São Tomás, porque há muitas pessoas necessitadas e que na prática não podem ser sustentadas pelos mesmo recursos materiais, o indivíduo detentor deve julgar pela sua própria medida como é que a sua propriedade deve ser dispensada aos que precisam. No entanto, a obrigação de distribuir superflua é uma questão de justiça – a propriedade privada perde o seu carácter legal se outros que necessitam são excluídos de usar recursos materiais.” (Walsh 2018, 203).

[8] “(…) porque implica prejudicar o próximo ao contrário das exigências da caridade e, e segundo lugar, porque se se tornasse uma prática geral, a sociedade humana seria destruída.” (Porter 2002, 281).

[9] “A propriedade privada é uma derivação racional da exigência da lei da natureza de que os seres humanos devem usar os recursos materiais da terra para o seu sustento. Consequentemente, faz parte do ius gentium e situa-se entre a lei da natureza e a lei positiva”. (Walsh 2018, 203).

[10] Para uma discussão mais abrangente do conceito de preço justo em São Tomás e outros autores escolásticos, consultar Alves e Gregório (2021).

[11] “(…) é por isso que, na construção dos edifícios, se paga mais ao que orienta a construção, mesmo que não ponha as mãos em nada, do que aos trabalhadores manuais, que aplainam a madeira e lavram a pedra.” (Questões Quodlibetal de São Tomás de Aquino, citados em Rocha 1992, 35).

[12] Uma referência adicional sobre a escolástica tardia que os leitores podem considerar útil é Grice-Hutchison (1978).

[13] Por exemplo, o fundador da Escola de Salamanca, Francisco de Vitoria, escreveu: “Basta ver o indigente prostrado na sua cama, angustiado pelos seus males, ou quando tolera a fome por um longo período de tempo que alcança uma condição de tal forma extrema que, se não for socorrido, caminharia rapidamente para a morte. É então quando há extrema necessidade e, se puder ser feito sem escândalo, que é lícito roubar aos ricos.” (citado em Chafuen 2003, 44).

[14] Ver Chafuen 2003, 107-108.

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Sobre os autores

Andre Alves

André Azevedo Alves é doutorado em Ciência Política pela London School of Economics, mestre em Ciência Política pela Universidade Católica Portuguesa e licenciado em Economia pela Faculdade de Economia do Porto. É atualmente professor associado na St. Mary’s University e também professor associado na Universidade Católica Portuguesa, onde é ainda Coordenador Científico do Centro de Investigação do Instituto de Estudos Políticos em Lisboa. Foi professor visitante na Universidade Estatal do Rio de Janeiro em Novembro de 2011 e na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (Brasil) em Outubro de 2012. É co-autor do livro “The Salamanca School”.

Hugo Chelo

Hugo Chelo é Doutorado em Ciência Política e Relações Internacionais pelo Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica Portuguesa e Licenciado em Filosofia pela Faculdade de Ciências Humanas da Universidade Católica Portuguesa.
Atualmente é Professor Auxiliar no Instituto de Estudos Políticos, leccionando desde 2000 vários cursos em Ciência Política e Filosofia Política. Os seus interesses de pesquisa debruçam-se sobre as áreas de investigação de Pensamento Político Contemporâneo, Pensamento Clássico e Cristão, Filosofia Moral e Doutrina Social da Igreja.

Ines Gregorio

Inês Gregório é doutorada em Ciência Política e Relações Internacionais pelo Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica Portuguesa, Mestre em Philosophy, Politics and Economics pela University of York no Reino Unido e licenciada em Relações Internacionais pelo Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica Portuguesa. Atualmente, leciona na licenciatura em Ciência Política e Relações Internacionais do IEP-UCP e é Assistente de Investigação no Centro de Investigação do Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica Portuguesa (CIEP-UCP), onde é responsável pela coordenação executiva dos projectos de investigação em curso. Os seus interesses de investigação principais incluem políticas da educação e modelos educativos alternativos. Entre 2013 e 2016 foi correspondente em Portugal do escritório ibérico em Espanha da Fundação Konrad Adenauer.

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Image credit: https://en.wikipedia.org/wiki/Fra_Bartolomeo, CC BY-SA 4.0 <https://creativecommons.org/licenses/by-sa/4.0>, via Wikimedia Commons

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