Introdução
Os autores deste curso citam muitas fontes para desenvolver os seus argumentos. Em anexo, listamos todos os documentos formais da Igreja que são citados, bem como muitos dos discursos, homilias, etc., dos vários Papas que são mencionados. Antes disso, descrevemos brevemente algumas das fontes formais da Doutrina Social Católica que foram publicadas pela Igreja Católica. Estes documentos baseiam-se nas Sagradas Escrituras. Por exemplo, o Papa Francisco, na sua encíclica sobre o ambiente, Laudato si’, escreve: “Porventura uma pessoa, ouvindo no Evangelho Jesus dizer – a propósito dos pássaros – que «nenhum deles passa despercebido diante de Deus» (Lc12, 6), será capaz de os maltratar ou causar-lhes dano?” (221)
Cronologicamente, as escrituras são seguidas pelos ensinamentos dos Pais da Igreja primitiva ou Patrística. Eles ajudam a desenvolver e a aplicar os ensinamentos das escrituras nas primeiras comunidades cristãs, com as quais podemos aprender para os dias de hoje. Assim, podemos observar como essas comunidades viviam, inspiradas pelos ensinamentos de Cristo, e podemos também observar o ensinamento dessas comunidades e dos seus Pais eruditos. A Patrística inclui santos como o Santo Ambrósio e o São João Crisóstomo. Os documentos da doutrina da Igreja moderna citam os Pais da Igreja como citam as escrituras. Um bom exemplo é esta citação de São Gregório Magno na encíclica do Papa Francisco Fratelli tutti: “E São Gregório Magno di-lo assim: «Quando damos aos indigentes o que lhes é necessário, não oferecemos o que é nosso; limitamo-nos a restituir o que lhes pertence».” (119)
A grande obra de São Tomás de Aquilo, Summa Theologica, influenciou muito a Doutrina Social Católica, especialmente as primeiras encíclicas sociais. O Papa Francisco cita São Tomás num ponto importante da Laudato si’, afirmando: “São Tomás de Aquino sublinhava, sabiamente, que a multiplicidade e a variedade «provêm da intenção do primeiro agente», o Qual quis que «o que falta a cada coisa, para representar a bondade divina, seja suprido pelas outras», pois a sua bondade «não pode ser convenientemente representada por uma só criatura». Por isso, precisamos de individuar a variedade das coisas nas suas múltiplas relações.” (86)
Seguindo o que é recorrentemente designado como um enquadramento intelectual “tomista”, os escolásticos tardios foram um importante grupo de pensadores, sobretudo ibéricos, dos séculos XVI e XVII. Utilizaram um método similar ao de São Tomás e aplicaram esse método a novos problemas sociais, económicos e políticos, especialmente àqueles que surgiram com o novo mundo. Os escolásticos tardios são frequentemente considerados como os primeiros a contribuir seriamente para o desenvolvimento da teoria económica moderna. Os seus contributos também incluem o aumento da nossa compreensão sobre a moralidade (ou não) da inflação, bem como das suas causas, e a base dos direitos humanos.
Todas estas fontes foram influências importantes na tradição da Doutrina Social Católica. Há, evidentemente, muitas outras influências. O Papa Francisco tem referido frequentemente as Conferências Episcopais locais. Aspetos da teologia da libertação e de outras tradições intelectuais têm sido igualmente importantes. De facto, haverá com recorrência um amplo processo de consulta com académicos, não necessariamente Católicos, à medida que o pensamento subjacente a uma futura encíclica social se desenvolve e os papas são guiados no seu prudente juízo.
As encíclicas sociais
Parte-se muitas vezes do princípio de que a doutrina social formal da Igreja Católica começou em 1891 com a publicação de Rerum novarum. Na realidade, a Doutrina Social da Igreja recua até às suas origens. Seria mais acertado dizer que a tradição encíclica moderna – ou seja, a produção de uma série de documentos oficiais sobre assuntos sociais que se referem aos sinais dos tempos e são escritos dentro de um enquadramento geral – começou em 1891 e representa a doutrina social formal da Igreja, juntamente com outras categorias de documentos. Estas cartas, de extensão variável, têm nomes em latim derivados da parte inicial do documento. Muitas delas são publicadas em aniversários da Rerum novarum e muitos dos seus títulos remetem para esse documento. Há alguma controvérsia sobre a forma como esses títulos devem ser capitalizados. Neste curso, apenas a primeira letra é capitalizada, exceto se as palavras posteriores do título se referirem a “Deus”, “Cristo” ou palavras de importância semelhante.
Uma encíclica é uma carta dirigida pelo Papa, geralmente aos outros bispos católicos do mundo ou, no caso de muitas encíclicas sociais, a todas as pessoas de boa vontade. Uma razão importante para dirigir as encíclicas a um público universal é o mandato original dado por Jesus Cristo aos apóstolos de fazer crentes de todas as nações da terra. A doutrina social é, por isso, parte integrante da missão evangélica da Igreja. Todas as encíclicas são escritas em nome do Papa, independentemente de ter sido o próprio Papa o autor original do texto ou de ter havido outros redatores envolvidos.
A lista de encíclicas sociais é apresentada habitualmente como incluindo as seguintes:
- Rerum novarum (Sobre a condição dos operários), Papa Leão XIII, 15 de maio de 1891
- Quadragesimo anno (Sobre a restauração e aperfeiçoamento da ordem social em conformidade com a Lei Evangélica no 40.º Aniversário da Encíclica de Leão XIII Rerum Novarum), Papa Pio XI,15 de maio de 1931
- Mater et magistra (Sobre a recente evolução da questão social à luz da Doutrina Cristã), Papa João XXIII, 15 de maio de 1961
- Pacem in terris (A Paz de todos os Povos na base da Verdade, Justiça, Caridade e Liberdade), Papa João XXIII, 11 de abril de 1963
- Populorum progressio (Sobre o desenvolvimento dos Povos), Papa Paulo VI, 26 de março de 1967
- Laborem exercens (Sobre o trabalho Humano), Papa João Paulo II,14 de setembro de 1981
- Sollicitudo rei socialis (Pelo vigésimo aniversário da Encíclica Populorum progressio), Papa João Paulo II, 30 de dezembro de 1987
- Centesimus annus (No centenário da Rerum novarum), Papa João Paulo II, 1 de maio de 1991
- Deus Caritas Est (Sobre o Amor Cristão), Papa Bento XVI, 25 de dezembro de 2005
- Caritas in veritate (Sobre o desenvolvimento Humano integral na Caridade e na Verdade, que se destinava a ser publicada no aniversário de Populorum progressio, em 2007, mas foi publicado durante a crise financeira), Papa Bento XVI, 29 de junho, 2009
- Laudato si’ (Sobre o Cuidado da Casa Comum), Papa Francisco, 24 de maio de 2015
- Fratelli tutti (Sobre a Fraternidade e a Amizade Social), Papa Francisco, 3 de outubro de 2020
Os temas das encíclicas podem ser bastante gerais em alguns casos; noutros, podem ter um foco forte. O facto de uma encíclica ser uma encíclica social nem sempre é indiscutível: há argumentos fortes para incluir Evangelium vitae (Sobre o valor e a inviolabilidade da vida humana) e Familiaris consortio (Sobre a função da família Cristã no mundo de hoje); e alguns comentadores não incluiriam Deus caritas est entre as encíclicas sociais. Esta falta de clareza na definição não é surpreendente. O Papa Francisco tem dado particular ênfase ao modo como os diferentes aspetos das nossas vidas estão interconectados. Há uma ligação importante entre os assuntos da vida e o ambiente natural; e ligações semelhantes podem ser estabelecidas entre família e educação, ou entre as questões da vida e os cuidados de saúde. A nossa necessidade de amar e cuidar dos outros e de conceber sistemas políticos que reconheçam a dignidade de todos decorre da nossa criação à imagem de Deus como filhos de Deus e, por isso, como irmãos e irmãs em Cristo. Dada esta realidade, é natural que não haja uma categorização clara do que é e do que não é uma encíclica “social”.
Para além destas encíclicas, a Doutrina Social Católica é apresentada em exortações apostólicas e cartas apostólicas. Estas são geralmente consideradas como menos solenes e as primeiras não definem doutrina. As exortações apostólicas são frequentemente emitidas após os sínodos e os seus temas podem ser mais específicos do que os das encíclicas. O Papa Paulo VI publicou uma carta apostólica, Octogesima adveniens, em vez de uma encíclica, para comemorar o 80.º aniversário da publicação de Rerum novarum.
Há uma grande variedade de outros documentos, homilias e discursos que nos ajudam a compreender e a interpretar a Doutrina Social Católica. As declarações do Dia Mundial dos Migrantes e Refugiados e as do Dia Mundial da Paz são citadas por vários autores. O Papa Pio XII não escreveu uma encíclica social, mas a sua coleção de discursos, mensagens de Natal, e outras, refletem uma forte compreensão das preocupações económicas e sociais. Para além disso, uma ampla lista de documentos é publicada pelos vários serviços do Vaticano. Um desses documentos, “Considerações para um discernimento ético sobre alguns aspetos do atual sistema económico-financeiro”, é mencionado pelos autores e foi publicado, em 2018, conjuntamente pela Congregação para a Doutrina da Fé e pelo Dicastério para o Serviço do Desenvolvimento Humano Integral.
Vaticano II e outros documentos
Entre as publicações formais da Igreja Católica, encontram-se também os documentos dos Concílios da Igreja. Os autores referem várias publicações resultantes do Concílio Vaticano Segundo (Vaticano II), algumas das quais são importantes para apresentar a doutrina da Igreja sobre assuntos sociais e económicos. Os principais documentos relacionados com a doutrina social são: Gravissimum educationis, sobre educação cristã; Dignitatis Humanae, sobre dignidade humana; e um documento mais longo, Gaudium et spes, sobre a constituição pastoral da Igreja no mundo moderno. Estes documentos, especialmente o último dos três, têm obviamente um significado especial, uma vez que decorrem do Concílio da Igreja e na sequência da votação dos bispos de todo o mundo.
A Igreja Católica também publicou documentos fundamentais que resumem a sua doutrina. Dois deles são especialmente relevantes para a Doutrina Social Católica: o Catecismo (que tem secções substanciais sobre a vida social, política e económica) e o Compêndio da Doutrina Social da Igreja. Estes citam regularmente documentos papais como fontes importantes (bem como as Escrituras e a Patrística). Por sua vez, as cartas papais citam estas fontes, especialmente o Catecismo. O Catecismo tem uma autoridade especial e raramente é revisto.
Todas as publicações da Igreja com esta natureza encontram-se divididas em parágrafos numerados que devem ser usados nas citações. Quase todos os documentos do Vaticano são traduzidos em várias línguas, embora possa haver anomalias nas traduções.
Anexo – Documentos da Igreja Católica referidos:
Infra encontra-se uma lista dos documentos da Igreja referidos ao longo deste curso, excluindo o Catecismo e o Compêndio. Todos os documentos, incluindo o Catecismo e o Compêndio, podem ser encontrados no site do Vaticano.
Francisco (2023), Laudate deum, Exortação apostólica:
https://www.vatican.va/content/francesco/pt/apost_exhortations/documents/20231004-laudate-deum.html
Francisco (2020), Fratelli tutti, Carta encíclica:
Francisco (2019), Mensagem do Papa Francisco para o Dia Mundial do Migrante e do Refugiado:
Congregação para a Doutrina da Fé e Dicastério para o Serviço do Desenvolvimento Humano Integral (2018), Oeconomicae et pecuniariae quaestiones (Considerações para um discernimento ético sobre alguns aspetos do atual sistema económico-financeiro):
Francisco (2018), Mensagem do Papa Francisco para o Dia Mundial do Migrante e do Refugiado 2018:
Congregação para a Educação Católica (2017), Educar ao humanismo solidário para construir uma “civilização do amor” 50 anos após a Populorum progressio:
Francisco (2016), Amoris laetitia, Exortação Apostólica Pós-sinodal:
Francisco (2015), Mensagem do Papa Francisco para o Dia Mundial do Migrante e do Refugiado 2015:
Francisco (2015), Laudato si’, Carta encíclica:
Francisco (2014), Mensagem do Santo Padre Francisco para o Dia Mundial do Migrante e do Refugiado 2014:
Francisco (2013), Evangelii gaudium, Exortação apostólica:
Congregação para a Educação Católica (2013), Educar para o diálogo intercultural na escola católica. Viver juntos para uma civilização de amor (versão em inglês):
Bento XVI (2013), Mensagem de Sua Santidade Bento XVI para o Dia Mundial do Migrante e do Refugiado 2013:
Bento XVI (2011), Mensagem do Papa Bento XVI para o 97º Dia Mundial do Migrante e do Refugiado (2011):
Pontifício Conselho «Justiça e Paz» (2011), Para uma reforma do sistema financeiro e monetário internacional na perspetiva de uma autoridade pública de competência universal:
Bento XVI (2009) Caritas in veritate, Carta encíclica:
Congregação para a Educação Católica (2009), Carta Circular aos Presidentes das Conferências Episcopais sobre o Ensino da Religião na Escola:
Bento XVI (2005), Deus Caritas est, Carta encíclica:
João Paulo II (2004), Mensagem do Papa João Paulo II por Ocasião do 90° Dia Mundial do Migrante e do Refugiado 2004:
João Paulo II (2001), Mensagem do Papa João Paulo II pelo 87° Dia Mundial dos Migrantes 2001:
João Paulo II (1999), Ecclesia in America, Exortação apostólica pós-sinodal:
João Paulo II (1998), Mensagem do Papa João Paulo II para o Dia Mundial dos Migrantes e dos Refugiados de 1998:
João Paulo II (1998), Fides et racio, Carta encíclica:
João Paulo II (1993), Mensagem do Papa João Paulo II para o Dia Mundial do Migrante, 1993-1994 (versão em italiano):
João Paulo II (1991), Centesimus annus, Carta encíclica:
Congregação para a Educação Católica (1988), Dimensão Religiosa da Educação na Escola Católica: Orientações para a Reflexão e a Revisão:
João Paulo II (1987), Sollicitudo rei socialis, Carta encíclica:
Congregação para a Doutrina da Fé (1986), Libertatis Conscientia: Instrução sobre a Liberdade Cristã e a Libertação:
Pontifical Council for Justice and Peace (1986), At the Service of the Human Community: An Ethical Approach to the International Debt Question
João Paulo II (1981), Laborem exercens, Carta encíclica:
João Paulo II (1979) Redemptor hominis, Carta encíclica:
João Paulo II (1978), Carta do Papa João Paulo II aos Fiéis da Polónia:
Paulo VI (1971), Octogesima adveniens, Carta apostólica:
Paulo VI (1967), Populorum progressio, Carta encíclica:
https://www.vatican.va/content/paul-vi/pt/encyclicals/documents/hf_p-vi_enc_26031967_populorum.html
Vaticano II (1965), Gaudium et spes, Constituição Pastoral sobre a Igreja no Mundo atual:
Vaticano II (1965), Dignitatis humanae, Declaração sobre a Liberdade Religiosa:
Vaticano II (1965), Gravissimum educationis, Declaração sobre a Educação Cristã:
Vaticano II (1964), Lumen gentium, Constituição dogmática sobre a Igreja:
João XXIII (1963), Pacem in terris, Carta encíclica:
João XXIII (1961), Mater et magistra, Carta encíclica:
Pio XII (1942), Con Sempre Nuova Freschezza, Radiomensagem do Santo Padre Pio XII:
Pio XI (1937), Divini redemptoris, Carta encíclica:
Pio XI (1931), Quadragesimo anno, Carta encíclica:
Pio XI (1929), Divini illius magistri, Carta encíclica:
Leão XIII (1891), Rerum novarum, Carta encíclica:
Leão XIII (1890), Sapientiae Christianae, Carta encíclica (versão em inglês):
Leão XIII (1878), Aeterni Patris, Carta encíclica (versão em inglês):
Terceiro Concílio de Latrão (1179) (versão em inglês):
http://www.papalencyclicals.net/Councils/ecum11.htm
Questões para discussão
Em que sentido 1891 foi um marco no desenvolvimento da tradição da Doutrina Social Católica?
De que modo a razão, as escrituras e a tradição contribuem para o desenvolvimento da Doutrina Social Católica moderna?
O que podemos aprender com o ensino e a prática da Igreja primitiva para a Doutrina Social Católica moderna?
Quais são os diferentes documentos da Igreja Católica que contribuem para o corpus da Doutrina Social Católica?